Este livreto foi desenvolvido pela aluna Ana Luiza Barboza Merlin, do curso Bacharelado em Química da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sob orientação do Professor André Francisco Pivato Biajoli.
Polissacarídeos são moléculas grandes formadas pela junção de vários monossacarídeos (açúcares simples). Eles são carboidratos. Na figura abaixo temos um exemplo de três unidades de monossacarídeos conectados.
Eles podem armazenar energia, como o amido e o glicogênio, ou desempenhar funções estruturais, como a celulose nas plantas.
Os monossacarídeos conectam-se por meio de ligações glicosídicas. Abaixo está a representação da formação de um dissacarídeo.
Você deve ter reparado que na página anterior algumas ligações das moléculas apresentadas estão em negrito, enquanto outras estão tracejadas. Por quê?
Antes de mais nada: nós químicos adoramos simplificar representações de moléculas. Isto quer dizer que geralmente utilizamos o desenho 1 abaixo, omitindo os átomos de carbono (C) e a maioria dos átomos de hidrogênio (H), que são todos mostrados no desenho 2:
A química dos sistemas vivos é amplamente baseada em moléculas que possuem um tipo de assimetria conhecida como quiralidade. Representamos moléculas quirais com ligações em negrito e tracejadas: aquelas em negrito estariam saindo do plano do papel, indo em sua direção; as ligações tracejadas, entrando no plano do papel, afastariam-se de você.
As duas moléculas acima, apesar de química e fisicamente idênticas, seriam encaradas de maneira diferente pela maquinaria bioquímica de seu corpo! A natureza teve milhões de anos de experimentação para aprender a diferenciá-las com um nível de sofisticação que tem muito a nos ensinar!
Além das representações acima, os polissacarídeos são comumente representados em suas conformações de cadeira.
polissacarídeo representado em cadeira
Estrutura genérica 3D de uma molécula em conformação em cadeira
Anéis de seis membros preferem assumir a forma de uma cadeira! Esta conformação possui ângulos de ligação e distância entre átomos quase ideais…
…ao contrário da conformação em bote, na qual alguns átomos podem ficar muito próximos.
Dois monossacarídeos podem se conectar de maneiras diferentes através de ligações que chamamos de alfa e beta.
Próximo anel conectado por baixo: uma ligação alfa
Próximo anel conectado por cima: uma ligação beta
Estas conexões definem as propriedades físicas e biológicas dos polissacarídeos!
É por isso que digerimos o amido e não a celulose, pois as nossas enzimas não conseguem metabolizá-la. Esta diferença aparentemente simples tem consequências muito importantes!
E onde entram os químicos nesta história? Um dos nossos trabalhos é a manipulação da forma com que átomos estão conectados para a formação de moléculas. Assim, nós podemos pegar materiais disponíveis na natureza e utilizá-los como ponto de partida para o preparo de novos materiais – como ocorre com alguns plásticos – ou modificá-los de modo que novas e interessantes propriedades apareçam, o que pode ser feito com os polissacarídeos. Em resumo: quebramos e formamos ligações químicas o tempo todo!
Você sabia que uma grande parte dos plásticos vem do petróleo? Isto quer dizer que, além de produtos de uma indústria muito poluidora, eles são derivados de uma fonte não-renovável: o petróleo é um recurso finito, significando que um dia ele terminará.
Mas, além de aumentar a quantidade de gás carbônico na nossa atmosfera (originando o efeito estufa), o uso intensivo do petróleo traz outros problemas: os plásticos derivados dele não são biodegradáveis, ficando por centenas de anos na natureza. Isto faz com que o plástico descartado se acumule, por exemplo, em uma enorme ilha no meio do Oceano Pacífico… ou que, submetido ao vento e à chuva, ele se quebre em pedacinhos – o microplástico – que acabam contaminando todos os seres vivos (nós inclusive!).
Como materiais derivados diretamente da biosfera, os polissacarídeos apresentam uma enorme vantagem em relação aos materiais derivados de petróleo: eles são biodegradáveis! Isto significa que, depois de utilizados, eles podem ser (adequadamente) descartados, com a natureza ocupando-se de reintegrar seus componentes ao ciclo da vida: a geração de resíduos é minimizada!
É por isto que os polissacarídeos são uma alternativa atraente para a produção de materiais de uso cotidiano: eles são não-poluentes, não-tóxicos e biodegradáveis.
Mas… como eles podem ser utilizados?
Os polissacarídeos possuem vários grupos hidroxila (OH): estes grupos podem ser quimicamente modificados para alterar as características do polissacarídeo, como sua textura e como ele interage com outros materiais. Por isso, eles são superúteis e podem ser usados em…
Os polissacarídeos possuem vários grupos hidroxila (OH): estes grupos podem ser quimicamente modificados para alterar as características do polissacarídeo, como sua textura e como ele interage com outros materiais. Por isso, eles são superúteis e podem ser usados em…
Os Institutos Nacionais são redes de pesquisa fomentadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento de pesquisas em áreas estratégicas. A pesquisa com polissacarídeos torna-se importante em tempos de emergência ambiental: daí o nosso INCT, coordenado pelo Professor Edvani Curti Muniz, atualmente na UFPI.
Estamos presentes em todas as regiões do Brasil: nosso INCT envolve 16 universidades e mais de 70 pesquisadores, dentro e fora do Brasil; dentre eles estão o Professor André (RS) e a Professora Márcia (SP) que, gentilmente, concordaram em conversar conosco.
Graduado em Química pela UEM (2007), concluiu Doutorado na mesma instituição com período sanduíche no CERMAV, França. Professor na UFPel e coordenador adjunto do Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da UFPel. Atua no desenolvimento de polímeros naturais e sintéticos para aplicações sustentáveis em biomateriais, agricultura, meio ambiente e catálise.
Doutora em Química pela UFSCar, professora na UNESP (FEIS) e atua como parte do corpo docente no Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais (PPGCM). Pesquisadora em nanotecnologia e materiais poliméricos.
Professor Adjunto da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Foi criado um gel impresso em 3D com gelatina e um amido modificado, chamado dialdeído amido (DAS), para tratar dermatite atópica, uma doença de pele. Esse gel liberou um remédio (hidrocortisona) de forma lenta e controlada. Em testes com camundongos, o gel reduziu inflamação e melhorou a pele, mostrando ser uma alternativa eficaz aos tratamentos tradicionais.
Na conversa conosco, o professor explicou que hidrogéis são “materiais macios e hidratantes, o que os tornam muito indicados para tratamento de doenças de pele”. Os hidrogéis fabricados na forma de filmes ou membranas costumam ser rígidos e pouco permeáveis a gases como o oxigênio, tornando-os mais limitados para o tratamento. Já o uso dos hidrogéis impressos em 3D “permitem um controle muito mais preciso sobre a geometria e a estrutura dos hidrogéis. Conseguimos inclusive personalizar os dispositivos de acordo com as necessidades específicas de cada pessoa, oferecendo soluções mais eficazes e individualizadas para o tratamento”.
No decorrer dos testes, o maior desafio foi criar a “tinta” (hidrogel) ideal para impressão, equilibrando textura, viscosidade e estabilidade. Além disso, a síntese do DAS também foi desafiadora. Segundo o Professor, “esta modificação do amido é essencial para formar ligações químicas com a gelatina, criando a estrutura do hidrogel”.
Em relação ao futuro, o professor acredita que “abrirá caminho para terapias mais eficazes e personalizadas”, devido às diversas vantagens dos hidrogéis impressos em 3D, como a liberação controlada do medicamento, o que pode reduzir a necessidade de reaplicar ao longo do dia, e a possibilidade de misturá-los com outros remédios ou substâncias que ajudam na cicatrização.
Professora Assistente Doutora do Departamento de Física e Química, Faculdade de Engenharia de Ilha
Solteira (FEIS), Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (UNESP)
Este estudo analisou extratos antioxidantes feitos de restos de noz-pecã em embalagens biodegradáveis feitas de gelatina e amido de milho. As embalagens foram testadas com respeito a algumas propriedades desejáveis para este tipo de material: elas mostraram boa biodegradabilidade, resistência e ótima capacidade antioxidante, prolongando a duração dos alimentos embalados. Os resultados indicam que essas embalagens podem ser uma opção sustentável e útil para proteger alimentos, diminuindo o uso de plásticos derivados do petróleo.
A Professora Márcia, uma das responsáveis pela pesquisa, explicou como estas novas embalagens se destacam em relação às opções convencionais e por que
esse material é promissor.
A torta de noz-pecã é um subproduto da extração de óleo de noz, antes usado apenas à alimentação animal, para criar filmes bioativos, promovendo
sustentabilidade.
Segundo ela, “as embalagens criadas pelo grupo apresentam propriedades similares às embalagens tradicionais, porém algumas propriedades das feitas
por nós apresentam melhores resultados”, o que reforça o potencial desse novo tipo de embalagem. A professora está otimista sobre o futuro: “Acredito que veremos mais produtos alimentícios embalados com materiais como os que desenvolvemos. Os consumidores estão cada vez mais preocupados com a segurança alimentar e com questões relacionadas à sustentabilidade.”
De acordo com o Professor André, os jovens deveriam procurar novas soluções, visitar outras área do conhecimento e ser “curiosos para buscar respostas para perguntas que surgem e ainda não têm resposta”.
Já a Professora Márcia pediu para os jovens não desistirem! Que, apesar dos desafios e dificuldades que aparecerão, é necessário ter foco, disciplina, seriedade e ir “além das fronteiras da pesquisa buscando sempre se intelectualizar”.
Ser um pesquisador vai muito além da vida no laboratório. É conseguir tornar o nosso planeta um lugar melhor! O mundo precisa de mentes inovadoras, e a sua pode ser a próxima a mudar o curso da história. Venha fazer parte da pesquisa!
O INCT é uma ponte entre a ciência e a sociedade. Um dos papéis da ciência, é bem verdade, é a elucidação dos segredos mais escondidos da natureza (e, no caso da química, estes segredos estão muito bem escondidos: os átomos têm tamanhos na escala de angstroms, ou seja, 100.000.000 de vezes menores que um centimetro!). Mas também é o desejo de todo pesquisador que o que fazemos em uma bancada de laboratório possa ser traduzido em processos ou produtos que melhorem a qualidade de vida de todos nós.